terça-feira, 17 de julho de 2012

Intransigência: a Judicialização do transporte coletivo

Ações da Justiça do Amapá dificultam melhorias do transporte coletivo público

Fabiana Figueiredo
@FabianaFgrd

Na história do transporte público macapaense, podemos perceber a precariedade que esse setor tanto enfrentou. Sempre houve um empecilho que incomodou e, ainda hoje, incomoda bastante quem está na gestão dos órgãos competentes, e que impede de realizar ações para a melhoria desse tipo de transporte. Denomina-se justiça o dificultador da solução dos problemas do transporte coletivo. Vários processos foram enviados, mas ficaram retidos, esquecidos ou recusados pela justiça. Esta reportagem vai abordar os últimos episódios de desentendimento entre o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amapá (Setap) e a população.

Em 1997, quando, ainda no governo estadual do saudoso Annibal Barcellos, o primeiro processo licitatório foi feito para que as empresas pudessem operar legalmente. A título precário, o contrato foi assinado somente no ano seguinte, tendo validade de apenas 10 anos de funcionamento legal. Entravam em operação, liberadas pela justiça, as duas únicas empresas de transporte público da cidade de Macapá: Estrela de Ouro e Cattani. Isso, há 15 anos, quando a quantidade de habitantes da cidade era inferior a 250 mil habitantes.

Após 10 anos, expirando-se o contrato, e o prefeito da época, João Henrique Pimentel, entrou com um pedido de solicitação de renovação do contrato, foi impedido pela justiça, alegando que a prefeitura deveria ter entrado com o processo licitatório no ano anterior, antes que se estourasse o prazo. E a situação ficou à mercê, sendo que a população continuou utilizando o transporte coletivo, acumulando, assim, os problemas do serviço público.

Quando o próximo e atual prefeito da cidade de Macapá assumiu a gestão, ele logo tratou de iniciar os processos licitatórios para a melhoria do transporte público e aquisição de novos utilitários, através da Companhia de Trânsito e Transporte de Macapá (CTMac).

O processo de licitação
Carlos Sérgio Monteiro, diretor-presidente da CTMac, antiga Empresa Municipal de Transportes Urbanos (EMTU), propôs a melhoria do transporte público da capital, e a ideia é a aquisição de novos ônibus para “desafogar” a grande demanda de passageiros, aumentada por meio do crescimento populacional de Macapá. De forma legal, respeitando a lei federal de número 8.666, na qual o Município deve lançar concessões de compra através de licitações, a CTMac enviou, no ano passado, a licitação à Câmara Municipal de Vereadores de Macapá, que iria analisar o documento. Após a aprovação da Câmara, o edital foi lançado. O TCE pediu a suspensão do edital, por encontrar algumas irregularidades. O juizado, por meio da juíza Keila Banha, certificou 19 correções a serem feitas no edital de licitação de aquisição de 200 novos ônibus para a capital amapaense.

Carlos Sérgio se diz surpreso com a decisão da juíza, pois o edital está periciado pelo TCE, portanto não havia motivo da suspensão. O ato foi deferido às vésperas do relançamento do mesmo edital já corrigido.

Segundo o presidente da CTMac, a juíza Keila encontrou três erros que não existem. “Nós agravamos da decisão, estamos mostrando ao Tribunal de Justiça do Amapá essas falhas, mostrando a inconsistência dessa decisão, e vamos continuar acreditando que podemos reverter essa situação”, disse Carlos Sérgio.

Renivaldo Costa, atualmente assessor de comunicação da Prefeitura Municipal de Macapá, soltou o verbo e comentou sobre o assunto: “Eu penso que a própria juíza que suspendeu o processo licitatório deveria declarar suspeição sobre si, visto que ela é sobrinha do Secretário Estadual de Infra-Estrutura, Joel Banha. Onde sabemos que há esse clima de animosidade, que o Governo tem criado empecilhos e boicotes às ações do Município.”

O embargo enviado ao TJAP será analisado para ser recorrido em primeira instância pelo corpo de desembargadores daquela instituição. O Município espera que a situação seja logo resolvida, pois o transporte coletivo está atuando de forma ilegal, e as licitações vêm para legalizar essa situação que está sendo dificultada por ações de juízes.

“A juíza Keila deu decisão favorável aos empresários. Entretanto, quem perde com isso não é o prefeito Roberto Góes nem a CTMac, mas, sim, o povo que utiliza o transporte coletivo e que via nessa licitação a esperança do fim dos atrasos e da melhoria dos ônibus que rodam em Macapá”, indigna-se Carlos Sérgio.

Briga Tarifária
Outra situação incerta é a briga entre as empresas de ônibus, representadas pelo SETAP, e o povo, representado pela CTMac. Vamos relembrar alguns passos desse confronto.

Desde quando a passagem de ônibus na cidade de Macapá custava R$1,95 – um preço acessível e, segundo a visão da população, é de acordo com os serviços prestado -, a justiça, o Setap e a Prefeitura vêm debatendo a questão do reajuste do preço pago por cada passageiro.

Não é de hoje que empresários amapaenses vão à justiça reclamar da defasagem do preço, e impõem que a tarifa seja revisada, pois quase sempre representantes estão presentes nos corredores dos órgãos judiciários. O Judiciário, por sua vez, tantas vezes já aumentou a tarifa, após um estudo na situação do transporte.

Por conta da indecisão das partes, abriu-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no final do ano de 2011, na Câmara de Vereadores, que analisa todas as imposições e ações feitas com relação ao transporte público (incluem-se as planilhas de tarifação, compras e irregularidades).

A polêmica em torno do reajuste da passagem iniciou por volta de julho de 2010, quando a prefeitura nomeou representantes para compor a Comissão de Transporte Escolar (CTE), que foi reativada após dois anos, e tem o objetivo de discutir o impacto do aumento no bolso do macapaense, principalmente dos estudantes.

Para que se determine a tarifa, é necessário um estudo, baseado em uma planilha. Na situação de Macapá, o estudo foi feito pelo Setap, resultando no valor de R$2,57. A prefeitura recorreu à justiça, por acreditar que era um preço injusto. A perita Maria Angélica, nomeada pela justiça, analisou a proposta e considerou justo o pedido de reajuste para R$ 2,57, mas foi criticada pelo município.

Maria Angélica foi presa na Operação Akator da Polícia Federal, sob a acusação de facilitar a emissão de documentos para empresas de mineração, e, em troca, receber propina dessas mineradoras. Dois meses antes de ser presa (em Julho de 2008), ela periciou a planilha do Setap que reajustou o preço da tarifa em R$1,95. Mesmo com acusações, o juiz Ailton Marcelo Mota Vidal indicou-a para fazer a perícia da última proposta do Setap (de R$2,57).

“Nós fizemos um estudo técnico, contratamos o instituto ‘Rua Viva’ que fez o estudo e apontou uma tarifa de R$2,16”, diz Carlos Sérgio, após fazer seu estudo, e alegou que os dados da planilha do Setap podem estar equivocados, privilegiando as empresas de transporte que querem o reajuste para benefício econômico e não benefício social.

A proposta da Companhia foi levada à Câmara de Vereadores, para dar um veredicto. Após o período de recesso que houve, a proposta da justiça de R$2,30 surpreendeu a CTMac, que levou o relatório da CMM ao Ministério Público, e que ficou retido no órgão. Carlos Sérgio questiona: “onde estão as medidas que o MP tinha que tomar em relação à CPI? Pois o relatório foi mandado para que o MP veja os indícios e faça, caso tenha algum equívoco confirmado, um processo oferecendo uma denúncia ou indiciando aqueles responsáveis. Até hoje não se fez nada, adormece no MP essa situação. Os interesses são muitos e nós temos essa responsabilidade com a população de Macapá.”

O Setap já havia apresentado o aumento de R$ 2,57, a CTMac sugeriu o valor de R$ 2,16 e, o Conselho de Transporte aprovou R$ 2,30, que é a tarifa atual.

É R$2,30 pra cá, é R$ 2,16 pra lá, é R$ 2,57 pra acolá, e, assim, o cidadão fica em segundo plano, e pagando tarifas que não correspondem com a situação: um preço inadequado para um transporte que mal passa por revisão, limpeza, manutenção e, muito menos, renovação de frota.

[Matéria extraída e adaptada da Edição 312, do Jornal Tribuna Amapaense]

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