O texto abaixo faz uma análise espiritual da política e acaba por nos indicar métodos de escolha do nosso melhor representante.
Apesar
da crise internacional, o Brasil vive um período de relativo otimismo no plano
socioeconômico. Até aqui, o País aparentemente sofreu pouco com a crise, existe
uma redução da desigualdade e melhoria das condições dos mais pobres. Já no plano político, os escândalos de
corrupção não saem das manchetes dos jornais e existe sempre uma descrença em
relação à eficiência e até à vontade dos políticos para enfrentar os grandes
desafios sociais, econômicos e políticos que sem dúvida ainda nos esperam num
futuro próximo.
Diante disso, muitas vezes tendemos a nos fechar em nós mesmos,
querendo cuidar apenas de nossas coisas, como se o grande horizonte da vida não
nos dissesse respeito. Mas, para isso, temos de abdicar ao grande desejo de
beleza, justiça, verdade e realização humana que existe em nosso coração e no
daqueles que amamos. Por isso, um momento eleitoral, com todos os seus desafios
e contradições, é uma provocação para que nossa humanidade recupere sua abertura
para o mundo e para o desejo mais profundo que nos move.
A
experiência cristã, por sua natureza, tem a ver com tudo. Trata-se de um encontro
com Alguém que nos desperta para todos os encantos e todas as contradições da
realidade, que nos chama à aventura da construção do bem comum e, portanto, da política.
Não somos chamados a estar na política porque queremos o poder ou a hegemonia,
mas porque tudo nos interessa, tudo nos diz respeito, porque o sofrimento do
outro faz parte da minha vida, porque a construção de uma sociedade mais justa
é parte da realização da minha pessoa.
“De
fato, quando as garras de uma sociedade adversa se apertam em torno de nós, até
ameaçando a vivacidade de uma nossa expressão, e quando uma hegemonia cultural
e social tende a penetrar no coração, instigando as já naturais incertezas,
então é chegado o tempo da pessoa”, dizia Dom Luigi Giussani em 1976. Este é o
tempo da pessoa, da nossa pessoa.
Este
é um convite que nos foi feito e que procuramos compartilhar com todos: redescobrir
aquilo que pode sustentar e dar sentido ao nosso eu, à construção do estar juntos,
à luta por um ideal. É um momento de encontro, mesmo que nas diferenças, de redescobrirmos
a verdade um do outro. Por isso nos colocamos em ação, procuramos estar juntos
como amigos, ajudarmo-nos mutuamente a discernir o que é melhor, apoiar aqueles
que nos parecem mais capazes e comprometidos com o bem comum.
Falando
às autoridades, no Encontro Mundial das Famílias, em Milão (02/06/2012), o Papa
Bento XVI, citando Santo Ambrósio, um dos grandes doutores da Igreja, do século
IV, nos propõe alguns critérios de discernimento que podem ser úteis neste
momento:
1)
Nenhum poder do homem pode considerar-se divino, e, portanto nenhum homem é
senhor de outro homem, esta é uma verdade central sobre a pessoa humana, que
constitui um fundamento sólido da convivência social. Santo Ambrósio lembrará
isso ao imperador romano, escrevendo-lhe: “Também tu, ó augusto imperador, és
um homem!” (Epistula 51, 11).
2)
Ambrósio nos lembra também que a primeira qualidade de quem governa é a justiça,
porque diz respeito ao bem da comunidade inteira. Mas ela precisa ser acompanhada do
amor pela liberdade, que ele considera um elemento discriminante Aentre
os governantes bons e os maus porque, como se lê noutra carta sua, “os bons amam a liberdade, os perversos amam
a servidão” (Epistula 40, 2). A liberdade não é um privilégio para alguns, mas
um direito para todos, um direito precioso que o poder civil deve garantir.
Todavia, liberdade não significa arbítrio do indivíduo, mas, ao contrário, implica
a responsabilidade de cada um. Este constitui um dos elementos principais da laicidade
do Estado: assegurar a liberdade, a fim de que todos possam propor a sua visão da
vida comum, mas sempre no respeito pelo próximo e no contexto das leis que
visam ao bem de todos.
3) O
Estado e suas leis servem e defendem a pessoa e seu “bem-estar”, nos seus múltiplos
aspectos. Estas leis devem encontrar justificação e força na “lei natural”,
isto é, no reconhecimento daquilo que corresponde à natureza do ser humano.
Este é o fundamento de uma ordem adequada à dignidade da pessoa humana, que
supera uma lógica na qual é a sociedade (e, em última análise, quem está no
poder) que determina quais são e quais não são os direitos da pessoa.
4) O
primeiro direito natural é o direito à vida, cuja supressão deliberada nunca pode
ser permitida. Assim, a legislação e as obras das instituições estatais devem
estar a serviço da família, fundada sobre o matrimônio e aberta à vida,
reconhecendo o direito dos pais à livre educação e formação dos filhos, em
conformidade com o programa educativo que eles julgarem válido e pertinente.
Não se faz justiça à família, se o Estado não sustentar a liberdade de
educação, para o bem comum de toda a sociedade.
5)
Neste existir do Estado para os cidadãos, a Igreja pode dar uma preciosa e construtiva
colaboração, sem dúvida não para uma confusão das finalidades e das funções
diversas e distintas do poder civil e da própria Igreja, mas oferecendo à sociedade
sua experiência, doutrina, tradição, instituições e obras, com as quais se
coloca a serviço do povo.
6)
As comunidades cristãs promovem estas obras não tanto porque o Estado não consegue
garantir os serviços básicos à população, mas acima de tudo como superabundância
gratuita da caridade de Cristo e da experiência totalizante da sua fé. O tempo
que vivemos tem necessidade não só de escolhas técnico-políticas adequadas, mas
também de gratuidade. “A ‘cidade do
homem’ não é promovida apenas por relações feitas de direitos e deveres, mas
antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão” (Caritas
in veritate, 6).
7)
Finalmente, a quantos desejam colaborar para o governo e a administração pública,
Santo Ambrósio pede que se façam amar: “Aquilo que o amor faz o medo jamais
poderá realizá-lo. Nada é mais útil do que fazer-se amar”.
É o
tempo da pessoa e então é o tempo da verdadeira política, da possibilidade real
de olhar para as necessidades de cada um e procurar satisfazê-las realizando o
bem comum. A corrupção, que tantas vezes nos parece um mal sem solução, só será
vencida com uma educação ao bem comum e a uma consciência nova do eu, do que é
o homem, juntamente com o desenvolvimento humano integral – isto é, um desenvolvimento
que não se limita aos aspectos socioeconômicos, mas que permite que a
humanidade de cada pessoa se realize, tornando-a protagonista de sua própria
história e da construção do bem comum.
Movimento Católico Comunhão e Libertação